Por meio de uma análise etnográfica visual e comparativa de imagens produzidas em manifestações nos períodos de 1974 a 1977 e 2019 a 2024, a investigação procura a persistência de discursos, símbolos e elementos visuais, compreendendo como o design e a comunicação visual têm sido utilizados como ferramentas de mobilização social e de pressão política para a garantia do direito à habitação.
O processo de curadoria envolveu três etapas: inicialmente, foi reunido um acervo de 1.352 imagens a partir de arquivos institucionais, colaboração com outros estudantes do Mestrado e produção do próprio autor por meio da observação manifestante.
Em seguida, as imagens foram categorizadas por critérios como tipo de manifestação, mensagem e presença de elementos-chave: contexto político, direitos e condições de vida, financeirização, gestos e representações, habitação e ação direta, memória de Abril, sujeitos e identidade, e valores e ideais.
Este processo permitiu organizar o acervo e facilitar a identificação de padrões visuais e discursivos recorrentes. Por fim, após filtragem rigorosa, foram selecionadas 50 imagens – 25 de cada período–, organizadas em dípticos, permitindo um diálogo visual direto entre passado e presente e reforçando a persistência transgeracional da causa habitacional. O número 50 foi também escolhido para simbolizar os 50 anos de democracia portuguesa, reforçando o caráter transgeracional da análise.
A análise comparativa das imagens evidencia a persistência de demandas não atendidas, mesmo com o direito à habitação consagrado na Constituição desde 1976 e reconhecido nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Os dípticos, por similaridade de signos, cores e elementos, revelam uma dura equivalência entre épocas, comprovando a hipótese deste estudo e mostrando a necessidade humana fundamental de ter um lar. A ausência de uma casa não é apenas falta física, mas um desterro existencial que atravessa gerações, refletido no diálogo silencioso das imagens. Estes pares visuais desvendam a transgeracionalidade da luta, mostrando avós, pais e filhos ligados por uma mesma urgência e resistência.
Revelam ainda a passagem da celebração das ocupações do pós-25 de Abril à luta pela permanência, da força do comunismo à renovada luta antifascista, e do protagonismo crescente de mulheres e imigrantes na resistência. O grito coletivo por “Casa para todos” ecoa há 50 anos, agora também contra despejos e gentrificação, que expulsam histórias para dar lugar ao lucro. Se antes o lema era “casas sim, barracas não”, hoje a luta volta-se contra a financeirização e a especulação, transformando moradias em mercadorias e vidas em dívidas. Crianças e jovens seguem sonhando com independência, enquanto o mercado oferece indignidade em vez de habitação digna.
No fundo, o desejo dos manifestantes permanece simples: boas casas para viver, um sonho que atravessa gerações e continua estampado nos cartazes, ainda à espera de solução.